Uma conversa com Sérgio Mah

SM – Depois da experiência inicial como fotógrafo do semanário O Independente, em 1990, realizas a tua primeira exposição individual na Galeria Ether. Essa exposição já revelava um interesse particular pela experiência da viagem, que é algo de constante em praticamente toda a tua trajectória enquanto fotógrafo. Como é que se formou esse interesse pela viagem, ou pelo menos por uma fotografia entre a deambulação da viagem e o registo autobiográfico?
DB – Sempre vi a fotografia como uma parte de mim, como fazendo parte de uma experiência. Nunca me interessou a fotografia como um meio de mudar o mundo, pelo menos como autor. Penso que dentro do meu trabalho há um lado social e político, discreto mas presente, mas não quis tornar isso numa bandeira, nunca quis que as minhas fotografias fossem manifestações. Interessa-me mais uma perspectiva literária e daí que seja necessariamente autobiográfica, embora não apenas no sentido literal porque também há um lado ficcional. Quis tornar a fotografia numa parte essencial daquilo que sou e daquilo que experimento. As viagens foram sempre uma coisa que eu quis fazer, e ao fazerem parte da minha vida também se tornaram parte da minha fotografia.

SM – Mas o que te interessa verdadeiramente na ideia de viagem?
DB – Não é apenas um interesse por uma ideia. O que eu queria mesmo era viajar! Mas obviamente que sempre me interessei por literatura de viagem. Talvez porque a viagem, tal como a fotografia, tem a ver com uma procura e por isso é que existe uma relação tão forte entre as duas. Não é por acaso que a indústria da fotografia e a indústria do turismo cresceram na mesma época e que muitos dos primeiros fotógrafos tenham sido viajantes. Os verdadeiros viajantes, tal como muitos fotógrafos, sabem que não vão encontrar aquilo que procuram. O que lhes interessa é a experiência, é o percurso.

SM – É notório que o teu trabalho está vinculado à tua experiência pessoal. Mas apesar de tudo, as tuas imagens nunca mostram muito sobre ti. Ou seja, a tua fotografia num certo sentido é autobiográfica, mas ao mesmo há um certo distanciamento, há uma contenção relativamente à tua história. Geres esse paradoxo de uma forma consciente?
DB – Penso que há limites. Sou uma pessoa contida, privada. O meu trabalho mais íntimo foi o London Diaries que foi escrito durante uma estadia em Londres, quando estava no Royal College of Arts. Fui fazendo o diário para mim e nunca pensei que poderia vir a ser publicado enquanto tal. Eu comecei o diário para ter uma razão para fotografar e, depois ao agrupar as imagens dentro do livro, apercebi-me que tinha imagens, ou conjuntos de imagens, que precisavam de texto para as acompanhar, e assim a escrita foi tendo uma importância cada vez maior. Outras vezes tinha texto a mais e tinha de arranjar fotografias para essas páginas. Foi no fundo um bom pretexto para trabalhar. Penso que quando uma pessoa escreve um diário tem sempre uma vaga ideia de que alguém o irá ler posteriormente. Essa consciência ou noção impediu-me de escrever coisas mais íntimas.

SM – O que fazes é contrário a uma tendência contemporânea que parece privilegiar o constrangimento da experiência emocional, pessoal e sentimental do autor. Tu és muito diferente já que procuras trabalhar a partir desse fluxo de interesses, experiências e emoções pessoais. Como é que analisas esta propensão na fotografia actual para o impessoal, para o apagamento da afectividade?
DB – Penso que muitos dos artistas contemporâneos, tem medo de uma coisa muito simples, têm medo do sentimento, de mostrar que existe sentimento. Porque o sentimento existe sempre, está sempre na origem do trabalho. Todos os trabalhos partem de uma escolha que se relaciona com um sentimento relativo a essa escolha. Mas muitas vezes, quando depois vemos as obras, esse sentimento deixou de estar presente. E isso é, penso eu, medo. Eu não quero ter medo dos sentimentos, porque creio que fazem parte de nós como seres humanos e não acredito numa arte inteiramente alheada da vida. Acredito numa experiência que passa sempre pelo sentimento criador e, mais tarde, pelo sentimento do espectador. Mas quando apresento uma fotografia não quero que as pessoas tenham o mesmo pensamento ou a mesma sensação que eu tive quando estava a fotografar, espero que tenham outros em função das suas próprias experiências de vida.

SM – Tu fotografas aquilo que encontras. Como metodologia é como se fosses um foto-repórter, até porque não há muita encenação no teu trabalho. Mas interessa-te dar informação, no sentido de reportar?
DB – Ao isolar qualquer coisa que seja no mundo em que vivemos, ao escolher um fragmento isolado que está dentro do enquadramento da fotografia e excluir tudo o que estava à volta, significa já que eu quero transmitir essa informação concreta, mas que é uma fracção do todo. Esse pormenor potencia uma afirmação que é minha, porque eu o escolhi. No entanto, não tenho é que informar o espectador porque é que escolhi aquilo,
porque o meu objectivo final não é o de um reportar objectivo. Aliás, a fotografia perdeu muito essa capacidade de informar objectivamente, se é que alguma vez a teve. Portanto, o que estou a dar são imagens que não podem ser dadas em palavras. E continuo a acreditar nas qualidades que são apenas próprias às imagens.

SM – As tuas imagens em geral têm sempre características estéticas muito particulares, quer pelas circunstâncias formais da imagem, quer pelos assuntos que normalmente privilegias. Há uma idiossincrasia visual que está sempre muito presente.
DB – Eu penso que como artista, a única coisa que posso acrescentar ao mundo é ser tudo aquilo que vejo ou leio mais tudo aquilo que sou. E não posso ser outra pessoa. Há uma lenda judaica que fala disso. De no fim da vida ser-se convocado perante Deus e Deus perguntar porque não foste Moisés, Salomão ou David? Mas a pergunta que vai ser colocada é bem mais simples e para a qual não existe resposta, é porque é que não foste tu próprio, porque é que não foste o melhor que tu próprio poderias ter sido. Isto para dizer que, quando fotografo, não quero fazê-lo como os outros. Quer dizer, gostaria de fotografar com o génio de outros fotógrafos que admiro, mas não quero fotografar como eles. Quero ser diferente, quero que seja o meu trabalho e é por aí que eu escolho as minhas fotografias.

SM – Isso é absolutamente decisivo para ti?
DB – É decisivo e essencial. É natural e inevitável que façamos imagens que lembrem outras imagens de outros fotógrafos, mas o que é importante é que o conjunto permaneça diferente e único. É óbvio que eu tenho influências importantes, como toda a gente. E há influências que são maiores, como foram para mim o André Kertész ou o Stephen Shore e outros, mas tento que essas influências não marquem em demasiado a minha fotografia.

SM – É interessante que em todas as diferentes fases do teu trabalho, desde as fotografias a preto e branco e, mais tarde com a Polaroid e a fotografia digital, as imagens revelam uma atenção particular pelas possibilidades específicas ao dispositivo que estás a utilizar. Mas ao mesmo tempo existem características da imagem que permanecem semelhantes. São habitualmente fotografias densas e contrastadas em termos cromáticos e tonais, que simultaneamente descrevem e escondem. É portanto um imaginário bastante paradoxal. Por um lado, representas algo que viveste, o que confere uma dimensão realista à fotografia, mas por outro todo o teu estilo subverte e filtra esse lado testemunhal. Isso é essencial, que a fotografia fique nesse espaço ambíguo?
DB – É como um escritor que vive um momento real, mas que quando o descreve passa a ser outra coisa.

SM – Ou seja, interessa-te que a imagem seja transfiguradora?
DB – Sim, porque se for apenas um mero relato do céu, ou do que quer que seja, não é uma representação. E é aí que reside a fronteira entre a arte e a reportagem.

SM – Independentemente do que estás a fotografar, é evidente que tens a preocupação em fazer imagens atractivas. Quando se vê uma imagem tua, o impacto é imediato, há um apelo pela qualidade estética de cada imagem. O que é para ti a fotogenia? E como é que procuras trabalhá-la?
DB – Primeiro, a minha ideia de fotogenia é determinada pelo meu grande interesse pela história da fotografia. Sou um artista que me insiro dentro da tradição da fotografia, ao contrário de outros artistas que utilizam a fotografia apenas como meio de trabalho. Por isso cada fotografia que faço debate-se com isso, com essa minha relação com esta história. Daí que utilize no meu trabalho também imagens que não foram tiradas por mim, mas que aproprio para o meu trabalho, como se verifica em vídeos como o A Perfect Day ou o Endless End. Sempre me interessei pelas qualidades específicas de certas imagens e que me seduzem. Mais do que o lado estético, interessa-me a força visual, essa força que seduz e convida o espectador a ver uma imagem de uma forma mais atenta. Eu não penso que a arte possa conviver bem com um lado inestético. Existem artistas que fazem isso, e alguns de forma muito interessante. Mas na sua grande maioria, a arte passa sobretudo por um certo jogo de sedução, por esse lado convidativo, que passa pela beleza ou, em casos mais raros, pelo sublime. Não acredito que as pessoas leiam livros ou visitem exposições se não sentirem prazer, mesmo que esse prazer implique desprazer ou um certo desconforto.

SM – No teu trabalho está muito presente a ideia de exílio. Aliás, esse é um sentimento comum aos autores a que dizes estar mais ligado como o Robert Frank, o Paul Bowles, o Joseph Conrad ou o W.G. Sebald. São viajantes de certa forma desencantados em relação ao seu mundo de origem.
DB – Mais do que desencanto, o trabalho e a experiência de vida dessas pessoas revela sobretudo uma forte sensação de desenraizamento. Não se sentem parte do sítio de onde vêm, mas também não fazem parte do sítio onde se encontram. Eu também, de certo modo, me senti desenraizado porque cresci em Portugal, mas depois vivi dez anos na Alemanha. Li outros escritores, vi outros filmes, nessa adolescência alemã. Ganhei assim uma distância em relação ao meu país, porque passei e tenho passado muito tempo fora de Portugal. E depois há a minha história familiar. Os meus avós eram judeus alemães, vieram para Portugal antes da guerra e foram sempre estrangeiros neste país. Antes já tinham deixado de ser alemães na Alemanha por decisão dos nazis. Portanto, o seu exílio foi muito diferente do do emigrante, porque neste caso não havia retorno possível. Esta é uma história que me marcou bastante e por isso é que fiz um filme sobre isso.

SM – Em 2002, realizas o documentário Sob Céus Estranhos que é uma espécie de corolário lógico de todo o teu trajecto como fotógrafo. A questão da memória está muito presente, como também a recorrente reprodução de fotografias. Essa tua inclinação pela experiência da memória mistura-se frequentemente com essa tua tendência para refotografar e refilmar fotografias já existentes, antigas, e que não foram tiradas por ti. De facto, tens muito essa tendência para fazer fotografias de fotografias, imagens de imagens, até porque no teu processo habitual, tu refotografas pequenos prints para depois poderes ampliar para grandes dimensões.
DB – Quando refotografo uma fotografia para ampliar, há uma ligação forte ao meu processo, mas é sobretudo uma necessidade técnica. Mas quando refotografo uma fotografia antiga, muitas vezes procuro acrescentar elementos actuais, uma mão que a segura, uma mesa, um fundo. É interessante incorporar a luz de hoje sobre uma fotografia antiga, porque não só estás a acrescentar qualquer coisa, como também estás a recorrer a um depósito de memória para apelar a uma outra memória que é agora a da minha fotografia. Uma memória de uma memória de outra memória. É um estatuto da imagem que sempre me interessou. Quando eu fotografo são imagens que eu encontro, mas também há imagens que eu encontro que já estão fotografadas, e que escuso de fotografar. São imagens encontradas umas como as outras. Nos objectos para ver fotografias que produzi com o arquitecto João Mendes Ribeiro, tinhas esse efeito de luz adicionado ao efeito do espaço. Um postal de outro tempo e de outro lugar é iluminado em tempo real pela luz de hoje no espaço exterior em que os objectos estavam instalados.

SM – Como é que surgem normalmente as séries? Há uma ideia prévia, por mais vaga que seja, ou, pelo contrário, a série surge naturalmente pela convergência que identificas dentro de um certo conjunto de imagens?
DB – Podem ser ambas as coisas. Mais do que por uma ideia, as séries surgem por uma preocupação que é comum a todas as imagens. Eu começo por identificar essa preocupação e, a partir daí, isso começa a determinar as imagens que vão aparecendo. Por outro lado, existem séries em que recorro a imagens anteriores ao reconhecimento dessa preocupação e integro-as no novo conjunto. E depois trabalho bastante na edição, podendo passar a dar uma especial importância a imagens que até aí eram secundárias.

SM – Muitas das séries, nomeadamente as Collected Short Stories que apresentaste no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, revelam o teu acentuado interesse pelo cinema e pela literatura, como artes de forte pendor narrativo. Aliás, a ideia de narrativa é transversal no teu percurso como fotógrafo. Como é que procuras trabalhar essa condição da imagem, porque apesar de tudo a imagem fotográfica tem um potencial narrativo muito paradoxal, para não dizer mesmo precário. O que quero dizer é que a sugestão narrativa na fotografia dificilmente conseguirá corresponder aos parâmetros da narrativa literária ou cinematográfica. Que tipo de narrativa é que tu procuras na fotografia?
DB – Exactamente o contrário do que tu encontras em cinema ou na literatura. Enquanto nesses casos existe um princípio, um meio e um fim, e um filme tem sempre um fim, mesmo que seja em aberto, na fotografia não tens nem o princípio nem o fim. Apenas tens um momento, um entretanto. Esses parâmetros que ficam de fora podem ser utilizados como uma forma de expressão muito forte. Na exposição da Gulbenkian, a esse encontro entre duas imagens adicionei-lhes um desencontro que era dado pelo título, portanto quando tu olhavas para as imagens eras empurrado para uma hipótese de história possível, e algumas pessoas poderiam imaginar histórias similares e outras histórias completamente diferentes. E depois o título remetia para uma outra coisa.

SM – Até que ponto é que este tipo de narrativa remete sobretudo para a narrativa que o espectador mobiliza a partir do seu arquivo consciente ou inconsciente de imagens, para encadear uma lógica ‘credível’ perante o vazio que tem perante si?
DB – É sempre uma experiência ficcional. Isso é importante porque retira o seu lado documental do tipo ‘isto é uma verdade’. São imagens que deixam tudo em aberto, porque têm uma aura de mistério que eu pretendo criar. E algumas imagens têm um maior fundo autobiográfico que outras, porque algumas têm a ver com históricas concretas que eu vivi ou fui espectador. Mas não significa que eu as queira contar ao público.

SM – Mas muitas das combinações são, num certo sentido, aleatórias. Porque poderíamos trocar imagens entre dípticos e a ambiguidade para o espectador seria similar.
DB – Sim. Mas acredito que em todos os dípticos há uma lógica, que só existe entre as duas imagens
escolhidas. Dentro deste acidente, há uma vontade, uma razão por detrás. Como refere o Yehuda Safran, num texto sobre o meu trabalho, é como numa história de Edgar Allan Poe (A Purloined Letter), quando a polícia vai a uma casa à procura de uma carta, que é uma carta reveladora sobre uma certa pessoa, e procura em todos os sítios, em todos os recantos, abrem gavetas, levantam tapetes e armários, e a carta nunca deixa de estar no sítio mais provável, que é no porta-cartas, à vista de todos. Como era tão óbvio, a polícia nunca chega a descobrir a carta.
Estou cada vez mais interessado numa ficção que pode ser verdadeira. Como nos livros do Sebald, em que ele descreve qualquer coisa e quando começamos a desconfiar da veracidade do que está a descrever, ele coloca uma fotografia que serve como prova daquilo que está a contar. E nós voltamos a acreditar, mesmo que nada nos diga que a fotografia é verdadeira. Uma crença desconfiada, no entanto, porque não sabemos se ele não encontrou essa imagem no lixo e se essa imagem não pertence a uma história completamente diferente. Foi um pouco isso que eu tentei fazer no trabalho, inspirado em George Pérec. A peça A Perfect Day compõem-se de uma parte em vídeo, que foi mostrada no Museu do Chiado, em que se vê uma sucessão de imagens de postais encontrados, agrupadas por temas, piscinas, hotéis, montanhas, etc. e depois há uma outra fase em
fotografia e texto, com os postais acompanhados com os textos do Pérec que ele escreveu para outros postais imaginados. São textos muitos simples e que lembram um pouco muitos dos emails de hoje.

SM – Qual é a importância do texto no teu trabalho, como título mas também como algo que é parte integrante da imagem, como nos London Diaries?
DB – É relativa. Nesse trabalho foi importante, mas em outros não será tanto. No A Perfect Day é enorme, assim como no Endless End ou na minha fotografia Horizonte.

SM – Mas há um lado textual nas tuas imagens?
DB – Sim. Interessa-me esse lado textual. Mas também porque há um lado descritivo e de pesquisa. Portanto, eu diria, que a ideia de texto está presente em todo o meu trabalho, mas muitas vezes de uma forma muito discreta.

SM – Desde A Terra é Azul como uma Laranja que as exposições assumem um carácter de instalação. As tuas exposições nunca são exposições que enfatizam apenas uma relação óptica. Há sempre também uma componente táctil e física com as imagens. É importante para ti construir um contexto de exposição multifacetado na relação que as pessoas têm com as imagens? Por vezes dás a ideia que a imagem não chega.
DB – Penso o contrário. Penso que a imagem chega. Penso que a melhor maneira de ver imagens é dentro de um livro. Daí o meu interesse por livros, enquanto objectos de autor. Mas penso que a fotografia pode construir tantos mundos que para mim não basta ver fotografias como um pedaço de papel. Como numa exposição as fotografias vão estar juntas por uma única vez num determinado sítio, é muito interessante construir qualquer coisa para que as fotografias habitem o espaço da melhor forma. É preciso construir esse espaço. Isto raramente é referido, mas nas minhas fotografias preocupo-me muito com a geometria do espaço, preocupo-me com a relação das pessoas com e dentro de um determinado espaço, e tento transpor isso para as exposições. Nunca penso as imagens de forma isolada, mas na sua relação com as outras e com o contexto.

SM – A partir de determinada altura passas a trabalhar em vídeo e em cinema. Como é que surgem estes meios, são incursões vinculadas ao ‘fotográfico’ ou procuraste outros horizontes para o teu trabalho?
DB – Ambas as coisas. Eu trabalho o vídeo e o cinema como fotógrafo, e isso transparece nos próprios
projectos. Em 1998 fiz o primeiro trabalho narrativo em video, o Life Is Not A Picnic, que tem vários vectores relacionados com a fotografia, tem inclusive imensas imagens congeladas, fixas. São meios paralelos à fotografia, e permitiram-me abrir outros caminhos, porque se ganha algo que não se tem na fotografia. Eu já tinha tentado antes fazer essa ponte na instalação A Terra é Azul como uma Laranja, que incluía vários monitores que iam passando fotografias e videos de naturezas mortas. Com o vídeo e com o cinema ganhas o factor tempo. Na fotografia o tempo congela, míngua, enquanto que no vídeo expande. Com o vídeo e com o cinema eu posso contar coisas que não posso contar com a fotografia. A história que eu conto em Sob Céus Estranhos, ou a que estou a contar no filme em que estou a trabalhar, que se chama Um pouco mais pequeno que o Indiana, são coisas que não cabem numa fotografia. Esta não tem espaço físico e temporal para o que eu pretendo desenvolver. E depois há o som, a voz off e a música, que permitem outras possibilidades.
SM – Tendo como referência todas as novas tecnologias da imagem, achas que estamos a transitar para um período pós-fotográfico?
DB – Não necessariamente. Por outro lado penso que sim, porque a fotografia perdeu uma certa dose de magia que tinha nos seus primórdios. Mas também penso que a fotografia vai continuar a desenvolver-se. E que fique claro que não estou a passar da fotografia para o vídeo. Não vejo sequer essa hipótese. É apenas uma coisa paralela e que faz parte integrante do meu trabalho em fotografia.

SM – Isso quer dizer que mais do que a prática da fotografia interessa-te trabalhar sobre as qualidades do fotográfico?
DB – Sim, mas, como disse anteriormente, também a possibilidade de explorar coisas que não são possíveis com o medium fotografia, pelo menos com a mesma eficácia e produtividade. Interesso-me pelo vídeo pelas possibilidades que proporciona, como o tempo, o movimento e o som, mas não deixa de se basear na minha própria fotografia. Mais do que um fotógrafo, vejo-me como um fazedor de imagens, sejam elas de que tipo forem.

SM – Tens uma grande preocupação pela escala e mais recentemente começaste a fazer variações. Imagens com dimensões diferenciadas, desde grandes ampliações até fotografias de escala mais reduzida. Como é que decides o tamanho das impressões?
DB – O que me interessa na escala é a distância a que o espectador observa a fotografia. Ou seja, quando produzo uma ampliação com mais de um metro, eu sei que as pessoas vão estar a mais de um metro da imagem. Além disso, estou cada vez menos preso a convenções e agora gosto de pensar na dimensão da imagem caso a caso. Cada fotografia precisa do seu tamanho, umas devem ser maiores e outras devem ser mais pequenas. Na fotografia em geral existem demasiadas regras. Prefiro experimentar.

SM – No trabalho fotográfico não privilegias a maximização técnica, até porque trabalhas com meios relativamente vulgares, como a máquina digital que frequentemente utilizas. Quando nos aproximamos de uma grande ampliação, feita a partir de uma imagem digital, vemos os pontos da fotografia de uma forma muito nítida, vemos a imagem a dissolver-se como se fosse uma negação da própria fotografia.
DB – Sim, e eu acho isso muito interessante. Porque de algum modo remete para a pintura, para a ideia que a imagem é construída aos bocadinhos, em cada pincelada, e em que o todo só é percebido a uma certa distância. Se eu não quisesse mostrar esse lado precário da imagem não fazia imagens grandes, porque isso não é tão detectável nas ampliações mais pequenas. Eu comecei a fazer grandes ampliações com as polaróides porque estas são sempre muito pequenas e interessava-me mostrar isso numa escala muito maior, que nega de algum modo a própria natureza da Polaroid. Nos diários estas polaroides têm um carácter intimista, enquanto que as grandes ampliações criam um antagonismo com essa ideia feita que temos da imagem em Polaroid.

SM – A imagem daquela figura com os binóculos que estava na exposição Collected Short Stories é um auto-retrato ou é um retrato de um qualquer personagem? E para onde é que ele olha?
DB – É um personagem, sem dúvida. Porque a fotografia foi encenada como personagem. Foi a última imagem a ser feita para a exposição e para a capa do livro e, portanto, já estava condicionada pelo contexto do trabalho. E essa personagem olha para ti, olha para o espectador.