Sobre Utz

 Os trabalhos desta exposição seguem duas linhas de investigação mutuamente interdependentes: uma é a obsolescência e a outra a aura. Simultaneamente fascinado e perturbado pelo desaparecimento das tecnologias fotográficas analógicas, Blaufuks revisita-as em diferentes fases da evolução histórica da fotografia com o objectivo de determinar até que ponto estas possuem aura – e tudo aquilo que a sustenta, ou seja, autenticidade. Fazendo referência a um conjunto de figuras históricas e modernistas, desde o francês Joseph Nicéphore Niépce, que viveu no século XVIII e a quem é atribuída a autoria da primeira fotografia, a Man Ray, as tecnologias utilizadas por Blaufuks vão da cianotipia à polaróide e também ao vídeo, alguns dos quais são bona fide, tal como o uso que dá ao lote de polaróides, ao passo que outras são manifestamente falsificadas, tal como acontece com os seus cianotipos manipulados de diversas formas (aqui provocativamente desnaturados, dando lugar a provas digitais desmesuradamente grandes). Em quase todos os casos, o objectivo revolve em torno de questões específicas à aura e à obsolescência, pois segundo o artista quase poderiam ser lidas como uma espécie de equação: a existência da aura é virtualmente proporcional à obsolescência da tecnologia. Digo virtualmente porque se trata tanto de uma hipótese quando de uma afirmação. Pode-se intuir que Blaufuks age aqui quase como um cientista – é certo que como um cientista com um programa conspícuo, mas suficientemente desinteressado para permitir que esse programa seja desafiado pelos resultados da sua pesquisa.

Esta afirmação-com-hipótese é naturalmente minada e confirmada por duas formas de consciência: a primeira é uma simples nostalgia (o mais antigo é melhor, de certo modo mais real) e a segunda é mais da ordem do paradoxo. Tal como observado originalmente por Walter Benjamin, a autenticidade e a aura que lhe é associada não surgem do zero, por si só, antes sendo engendradas pela existência da cópia. Por isso, apesar das aparências, a aura não é necessariamente intrínseca ao objecto único, mas surge depois do facto: é atribuída retroactivamente pela existência de cópias, falsificações e imitações. Por isso, poder-se-ia dizer que o original aurático e a sua cópia falsificada existem em relação um ao outro quase da mesma maneira que a moralidade e a transgressão existem em relação uma à outra. E é esta relação que permite a Blaufuks considerar uma tecnologia (fotografia analógica, reprodução), que para Benjamin era a metade falsificada da aura, a culpada, a parte transgressora da equação, em termos auráticos completamente heterodoxos. Mesmo no entendimento de Benjamin desta equação: a aura não provém necessariamente da antiguidade, mas da novidade. Paradoxalmente, a novidade é tanto geradora quanto assassina da aura. Isto significa que a cópia ilimitada e sem lugar de uma dada imagem digital confere uma aura relativa à existência da reprodução analógica localizável e comparativamente limitada.

Estas afirmações e perguntas originam uma miríade de outras perguntas que não podem (e talvez não devam?) ser aqui respondidas. Por exemplo, por que razão é a originalidade ainda tão importante? Porque é que esta, tal como a autenticidade, ainda exerce tanto poder sobre a imaginação? E, por isso, porque é que ainda continuamos tão afeiçoados à existência da aura? Ou será a existência da aura que está ligada a nós? Todas estas e muitas mais são algumas das questões levantadas por esta exposição.

Chris Sharp