Perdidos
Jorge Mourinha

Portugal é um país "Um Pouco Mais Pequeno que o [estado norte-americano do] Indiana" - como é possível que Portugal seja um país tão pequeno (que é) e seja tão fechado sobre si mesmo, tão preso numa espiral fechada de desconfiança e alheamento da realidade? É a pergunta que o fotógrafo Daniel Blaufuks deixa nesta longa-metragem, (programaticamente) apresentada esta terça-feira, 25 de Abril, na competição do IndieLisboa. Partindo do formato do documentário para construir um objecto formalmente desafiador de convenções (documentais ou outras), "Um Pouco Mais Pequeno que o Indiana" é uma espécie de poema tonal abstracto "on the road" pelas paisagens do Portugal pós-Euro 2004, revelando o país "real" por trás da fachada triunfalista de país moderno e europeu - com os estádios do Euro como "âncoras" (quase "envergonhadas") do percurso de Blaufuks por Portugal ao volante de um velho Mercedes, rodado precisamente nos meses posteriores ao campeonato de futebol.
No entanto, a verdade é que há mais alguma coisa a trabalhar no "on the road" de Blaufuks. A saber, uma colecção de postais antigos em glorioso tecnicolor que fornecem a outra âncora do percurso, como se o intuito da viagem fosse descobrir nas paisagens do Portugal contemporâneo os restos da imagem (literalmente) de "bilhete postal" do passado; e uma colecção de legendas retiradas de manchetes de jornais ou dados institucionais, incrustadas na imagem. Blaufuks encena, então, com o seu olhar claramente de fotógrafo um diálogo contraditório entre estas três matérias-primas, em que os elementos se vão desmentindo uns aos outros, desenhando o abismo entre a imagem (até mesmo a auto-imagem) e a realidade do país.
Nada de novo, dir-se-á; e, de facto, não é nesse dispositivo, estimulante durante algum tempo, mas insuficiente para sustentar uma duração de longa-metragem (mesmo que curta), que reside o interesse de "Um Pouco Mais Pequeno que o Indiana". O que é mais interessante é o modo como esse diálogo e essas contradições exploram os labirintos da memória enquanto "paisagem invisível", subterrânea mas constantemente presente, pessoal e intransmissível, activada pelos lugares que percorremos e pelas recordações que transportamos. Nesse caso, "Um Pouco Mais Pequeno que o Indiana" tornar-se-ia numa busca proustiana de um irrecuperável tempo perdido que, como a própria viagem se afadiga a demonstrar, talvez nunca tenha existido a não ser nas imagens tecnicoloridas, postais ou filmes de época, que a memória fixou como mais verdadeiras que a própria realidade. O que apenas é sublinhado pela evocativa banda-sonora, onde a melancolia cinemática dos Dead Combo, cruzamento inspirado entre o paisagismo esparso de Ry Cooder e a portugalidade indefinível de Carlos Paredes, se encontra com pérolas "kitsch" como o Duo Ouro Negro.
Para que essa busca proustiana resultasse, contudo, seria necessário um pouco menos de paisagismo abstracto - apesar de ser um filme "on the road", com o seu quê de "estrangeirado" (o que o torna sedutor), "Um Pouco Mais Pequeno que o Indiana" fica lentamente tolhido pelas limitações do seu próprio dispositivo formal; à imagem do Portugal que retrata, também Daniel Blaufuks se perde pelo caminho. Como quem viaja sem na verdade sair do mesmo sítio.